INTRODUÇÃO
O neoliberalismo, enquanto conceito econômico, social e político, tornou-se um dos paradigmas dominantes nas últimas décadas. Sua ascensão, principalmente a partir da década de 1970, está diretamente ligada a transformações significativas na economia global.
Inicialmente, o neoliberalismo foi apresentado como uma ideologia capaz de gerar prosperidade universal, fundamentada na liberalização dos mercados, privatização dos bens públicos e a redução do papel do Estado.
Suas promessas incluíam bem-estar, qualidade de vida e, sobretudo, um mundo mais igualitário, com as mesmas oportunidades para todos.
No entanto, à medida que o neoliberalismo se consolidou, tornou-se evidente que sua estrutura não só não trouxe a igualdade prometida, como também ampliou as desigualdades sociais.
A proposta neoliberal, em vez de ser uma utopia de prosperidade, tem se mostrado um mecanismo de gestão do sofrimento psíquico e da fragmentação social.
Este artigo busca explorar como o neoliberalismo está diretamente relacionado à produção de desigualdade e ao sofrimento, especialmente no campo psíquico e individual.
O NEOLIBERALISMO E A PRODUÇÃO DE RIQUEZA
O neoliberalismo se baseia na ideia de que o desejo de riqueza é uma característica natural do ser humano. Filósofos e economistas como Adam Smith (1776), em sua obra A Riqueza das Nações, argumentam que o desejo por acumulação de bens e capital impulsiona o mercado e promove o bem-estar coletivo, uma vez que cada indivíduo, ao buscar sua própria felicidade, contribui, por meio de sua produção e consumo, para a prosperidade geral.
Contudo, como argumentam Dupuy (2014) e Safatle et al. (2015), essa lógica é problemática, pois a busca incessante pela riqueza e pelo consumo não leva a uma verdadeira satisfação, mas à perpetuação de um ciclo insaciável de insatisfação.
O desejo humano, sob o neoliberalismo, se fragmenta: quanto mais se adquire, mais se quer, criando uma "escassez psíquica" que impossibilita o indivíduo de alcançar uma satisfação duradoura.
O sistema neoliberal, ao promover uma busca constante por mais, desencadeia um sofrimento psíquico intrínseco à sua própria lógica de funcionamento.
A DESIGUALDADE E A FRAGMENTAÇÃO SOCIAL
O neoliberalismo, especialmente a partir da década de 1970, aprofundou as desigualdades sociais ao desmantelar as políticas públicas de bem-estar e ao promover um mercado global desregulamentado, onde a riqueza se concentra nas mãos de poucos.
A ideia de que a livre concorrência traria oportunidades iguais para todos esconde uma realidade de exclusão e desigualdade estrutural.
Como ressaltam Safatle, Silva Júnior e Dunker (2015), esse processo de exclusão social não ocorre apenas no campo material, mas também no campo psíquico, uma vez que as desigualdades sociais são internalizadas pelos indivíduos, criando um mal-estar coletivo.
A experiência cotidiana de desigualdade é uma constante no Brasil, onde o enfraquecimento das políticas sociais desde a década de 1970, durante o regime militar, e a ascensão de um modelo neoliberal de mercado, resultaram em uma imensa disparidade entre as classes sociais.
No transporte público lotado, nas escolas e hospitais públicos precários e na segregação das áreas urbanas, as desigualdades sociais se manifestam visivelmente, refletindo a lógica neoliberal de exclusão.
O NEOLIBERALISMO E A ESCASEZ PSÍQUICA
A escassez, conceito central no neoliberalismo, não se refere apenas à falta material, mas também à escassez psíquica.
A ideia de que a felicidade está atrelada ao consumo e à posse de bens materiais, propagada pelo neoliberalismo, cria uma constante sensação de insatisfação.
Os indivíduos são levados a acreditar que a felicidade está sempre além do que possuem, resultando em uma busca incessante por mais.
Como destaca Dupuy (2014), essa dinâmica gera um sofrimento psíquico coletivo, pois os indivíduos não conseguem alcançar a plenitude desejada.
Esse ciclo de insatisfação está intimamente ligado à fragmentação do desejo humano, pois os indivíduos são ensinados a acreditar que o sucesso e a felicidade estão fora de si mesmos, em objetos materiais ou em status social.
A busca incessante por esses ideais é desgastante e gera uma sensação de fracasso, especialmente para aqueles que não têm acesso aos recursos necessários para participar dessa lógica.
A DESIGUALDADE E A FRAGMENTAÇÃO SOCIAL
Podemos perceber no cotidiano a manifestação prática da desigualdade. Eu mesmo, que vos escrevo, estou neste exato momento lendo e escrevendo no transporte público, a caminho do escritório, para o qual preciso percorrer 38 km.
Durante o trajeto, aprecio a vista, os carros importados, o ar-condicionado e a supremacia hierárquica que se impõe ao meu redor.
Essas disparidades não são apenas evidentes, mas também estão profundamente enraizadas nas estruturas sociais.
Este cenário reflete uma divisão que se agrava com a ascensão do neoliberalismo, cujas políticas têm intensificado a concentração de riqueza e poder nas mãos de poucos, ao mesmo tempo em que promovem a exclusão e a invisibilidade das classes populares.
Desde a década de 1970, é notório o aumento da desigualdade social, especialmente no Brasil, onde a intervenção militar estatal estava no auge.
A ascensão do neoliberalismo, neste contexto, fortaleceu ainda mais um sistema que prioriza a acumulação de riqueza e poder por uma pequena elite, enquanto as massas enfrentam a precarização das condições de vida e a marginalização social.
A indústria e o mercado, ao promoverem padrões de consumo e de vida de alto e baixo status, reforçam a desigualdade, tornando-a uma característica não só econômica, mas também psíquica, pois os indivíduos passam a medir seu valor e felicidade por aquilo que possuem ou consomem.
CONCLUSÃO
O neoliberalismo, portanto, não é apenas um fenômeno econômico, mas também uma forma de gestão do sofrimento psíquico. Sua lógica de escassez e busca incessante por mais, tanto no plano material quanto psíquico, gera uma sensação de insatisfação constante.
Ao reduzir o papel do Estado e promover uma cultura de individualismo e sucesso através do consumo, o neoliberalismo não só intensifica as desigualdades sociais, mas também fragmenta o desejo e o bem-estar dos indivíduos.
A compreensão dessa dinâmica permite uma análise mais ampla do neoliberalismo, que não se limita à sua faceta econômica, mas se estende ao impacto psicológico e social que ele impõe às populações.
REFERÊNCIAS
SAFATLE, Vladimir; SILVA JÚNIOR, Nelson da; DUNKER, Christian. Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. São Paulo: Editora Autêntica, 2015.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1976.
DUPUY, Jean-Pierre. A lógica do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora 34, 2014.
ALVES, José Eustaquio Diniz. *A redução da pobreza no Brasil entre 1970 e 2011*. EcoDebate, 2013. Disponível em: [https://www.ecodebate.com.br/2013/07/26/a-reducao-da-pobreza-no-brasil-entre-1970-e-2011-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/](https://www.ecodebate.com.br/2013/07/26/a-reducao-da-pobreza-no-brasil-entre-1970-e-2011-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/)
DIAS, Andrei. *Monografia sobre a lógica neoliberal e suas implicações*. Universidade de São Paulo, 2023. Disponível em: [https://bdta.abcd.usp.br/directbitstream/6d8f73af-56fe-4456-ae55-4c0296bebbe0/Andrei_Dias_Monografia.PDF](https://bdta.abcd.usp.br/directbitstream/6d8f73af-56fe-4456-ae55-4c0296bebbe0/Andrei_Dias_Monografia.PDF)
Escrito por mim, Thaísa Barbosa, diariamente, durante meu trajeto para o escritório, sempre imersa na leitura e na escrita, refletindo sobre minhas inconformidades.
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